McCabe é um jogador fracassado, que descobre o lugar ideal para a construção de sua própria cidade. Mrs. Miller é uma cafetina que propõe sociedade ao homem, abrindo e agenciando um bordel no local. Quando a parceria parece estar dando certo, McCabe recebe a visita de criminosos ricos e poderosos, que lhe fazem uma oferta irrecusável, por bem ou por mal.
Crítica
O nome de Robert Altman desperta, em qualquer cinéfilo antenado, a imagem de um cineasta iconoclasta, que inventou e refinou continuamente uma estrutura narrativa diferente, centrada na noção do coletivo em detrimento do individual, em filmes de caráter eminentemente urbano. No entanto, a impecável filmografia do cineasta não se resumiu a produções com estas características, presentes nos clássicos “Nashville” (1975) e “Short Cuts” (1993). Um dos melhores exemplos de que Altman podia ser genial e transgressor, mesmo trabalhando fora de suas características habituais, está em “Jogos e Trapaças – Quando os Homens São Homens” (McCabe & Mrs. Miller, EUA, 1971), um drama de época naturalista, ambientado do Velho Oeste e encharcado de amargura e dor.
Quando embarcou na produção do longa-metragem, Altman já era um cineasta de sucesso. Ele acabara de assinar seu primeiro grande filme, a comédia de guerra “M.A.S.H.” (1970), e mudava radicalmente de ambiente. “Quando os Homens São Homens” foi uma grande produção – a equipe ergueu uma cidade cenográfica completa, com uma dúzia de casas, igreja, bar e bordel, tudo com interiores mobiliados. Além disso, dois dos maiores astros da época – o ator Warren Beatty e a atriz Julie Christie – viveram os protagonistas. Todos enfrentaram condições inóspitas, incluindo muita chuva e neve, com o objetivo maior de entregar ao público uma história de realismo absoluto sobre os tempos difíceis da conquista do Oeste.
“Quando os Homens São Homens” é legítimo representante do período mais importante do cinema independente norte-americano, quando uma nova geração de cineastas aportou em Hollywood e mudou a cara do cinema épico e melodramático que se fazia por lá. O faroeste de Altman tem um quinhão importante nesta mudança, pois rompe brutalmente com a tradição do western épico de John Ford e Howard Hawks. O Velho Oeste de Robert Altman despreza o visual idílico de outrora, com pradarias esverdeadas, desertos dourados de sol e tons crepusculares. Nada de glamour aqui. O Oeste de Altman é um lugar gelado e úmido, onde lama e neve grudam na canela e os caubóis, sujos e fedidos, bebem até cair e fumam ópio em salões apertados, como maneira de fugir da dura realidade em que vivem. Nesta terra de amargura e pesadelo, até mesmo caminhar é difícil – e permanecer vivo se revela algo bem mais complicado do que poderia parecer.
A produção acompanha o nascimento da cidade de Presbiteryan Church, ao lado de uma mina, numa região gelada e montanhosa da fronteira ao norte dos Estados Unidos, perto do Canadá. O ponto de vista é do jogador John McCabe (Beatty). Charuto na boca e pose de macho, McCabe chega ao vilarejo farejando oportunidade de ganhar dinheiro. Ali, onde só existem pé-rapados solteiros em busca de fortuna, um sujeito com um pé-de-meia modesto como ele é uma espécie de rei. A idéia de McCabe é comprar algumas escravas e montar um bordel para proporcionar diversão aos mineradores. O negócio só prospera mesmo, contudo, depois que a experiente prostituta Constance Miller (Christie) chega ao local e propõe sociedade a McCabe.
Mrs. Miller tem tino para os negócios e é pragmática ao extremo. Calejada pela vida difícil, ela não alimenta mais nenhum tipo de idéia romântica, para desespero de McCabe, que cai de quatro pela mulher, mas não tem a menos idéia de como lhe dizer isso. Semi-analfabeto e de modos rústicos, o jogador não possui nenhum tato com mulheres. “Eu tenho poesia em mim”, esbraveja ele diante do espelho, numa das seqüências mais tristes do filme. Ele não sabe, mas suas preocupações sentimentais logo ficarão pequenas, quando ele descobrir que uma traiçoeira empresa de seguros está achando que o negócio montado por McCabe tem futuro, mas não para ele.
Este é um caso raro de filme cuja estética naturalista complementa perfeitamente o tom amargo da narrativa. Tudo está no seu lugar em “Quando os Homens São Homens”: a fotografia escura e elegante de Vilmos Zsgmond capta com perfeição o estilo de vida rústico dos mineradores; os objetos cênicos são peças de museu verdadeiras e/ou construídas à maneira dos antigos pioneiros (observe como as casas de madeiras foram montadas sem o uso de pregos, que não existiam na época); e a música triste do trovador Leonard Cohen emoldura com perfeição a atmosfera lenta e melancólica do longa-metragem.
Para completar, os dois personagens principais desenvolvem uma relação complexa que vai muito além das palavras, e só se manifesta completamente através de sinais não-verbais, como olhares e trejeitos. Aqui, embora haja dois protagonistas evidentes e a estrutura narrativa gire sempre em torno deles, Altman demonstra grande interesse em mostrar a organização social da época, caprichando nas celas coletivas e capturando as conversas entre os mineradores da forma mais despojada possível. Além de tudo isso, o filme possui um epílogo fantasmagórico, que culmina com um dos tiroteios mais realistas jamais mostrados em qualquer faroeste. Em resumo, uma maravilha cinematográfica, e um dos grandes títulos assinados por Altman.
Por: Rodrigo Carreiro
Premiações
- Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Julie Christie)em 1972
- Indicado ao BAFTA de melhor Fotografia em 1973
- Indicado ao Oscar de Melhor Atriz (Julie Christie)em 1972
- Indicado ao BAFTA de melhor Fotografia em 1973
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